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Política
03 Janeiro de 2023 | 08h01 - Actualizado em 03 Janeiro de 2023

Os efeitos da nova amnistia em Angola

A soltura dos reclusos recentemente amnistiados ou indultados deve reduzir, conforme expectativas da Procuradoria-Geral da República, em cerca de 10 por cento a população prisional de Angola, actualmente estimada em perto de 25 mil.

A diminuição da população penal, distribuída por 40 estabelecimentos penitenciários, deverá ser acompanhada de um alívio da carga processual nos órgãos de investigação criminal e nos tribunais, com o arquivamento dos processos abrangidos pela amnistia.

Sem descurar potenciais casos de reincidência, por alguns amnistiados, admite-se uma relativa redução nos gastos com os presos, que, actualmente, custam ao Estado quase USD 750 mil/dia, à razão de USD 30 por recluso, segundo estatísticas oficiais.

A nova Lei, em vigor desde 23 de Dezembro de 2022, anula todos os crimes (comuns e militares), puníveis com pena de prisão até oitos anos, cometidos por angolanos ou estrangeiros, entre 12 de Novembro de 2015 e 11 de Novembro de 2022.
 
Nessa categoria de crimes, estão, entretanto, excluídos do perdão os casos de que tenham resultado morte ou ofensa grave à integridade física alheia, ou, ainda, os que tenham recorrido a uma arma de fogo.
 
Trata-se de um perdão especificamente dedicado ao 47.º aniversário da Independência Nacional, celebrado a 11 de Novembro do ano findo, que, basicamente, renova a amnistia da edição anterior, que cobriu o período de 1975 a 2015.
 
Durante a aprovação, pelo Parlamento, justificou-se a iniciativa pela necessidade de se permitir que a comemoração de mais um aniversário da Independência se reflectisse na ordem social estabelecida, sem exclusão dos cidadãos privados de liberdade.
 
Esta medida legislativa fez-se acompanhar de um indulto presidencial, concedido a 91 reclusos das 18 províncias do país, por ocasião do Dia de Natal, o 25 de Dezembro, como "uma oportunidade de reintegração social e familiar”.
 
Segundo o decreto presidencial que identifica os 91 beneficiários, os critérios da remissão do castigo foram o cumprimento de metade da pena, o bom comportamento  na cadeia e a ausência de periculosidade social resultante da restituição à liberdade.

Crimes excluídos da amnistia

Apesar dos benefícios para os cidadãos abrangidos, antes da sua aprovação, na Assembleia Nacional, a 15 de Dezembro de 2022, a iniciativa gerou algum celeuma na sociedade angolana e um clima de suspeição da parte de cépticos, que viam nela mais um sinal de recuo na cruzada contra a corrupção e a impunidade no país.

Contrariando os receios iniciais do risco de perdoar os dilapidadores do erário, que se encontrem na mira ou a contas com a Justiça, a nova amnistia deixa de fora a quase totalidade dos chamados "crimes económicos, ou ”crimes de colarinho branco”.

A versão final do documento afastou do âmbito da sua aplicação uma larga porção de tais crimes, mesmo os abrangidos pelo limite máximo de punibilidade de oito anos de prisão, com destaque para os de corrupção e peculato, em algumas modalidades.

À luz do Código Penal Angolano, os delitos de natureza económica, inseridos no capítulo dos "Crimes cometidos no exercício de funções públicas e com prejuízo de funções públicas”, são puníveis com penas que variam entre dois e 16 anos de prisão, no seu limite máximo, mas estão todos expressamente excluídos da nova amnistia.

Por exemplo, a corrupção e o peculato têm os limites mais altos, respectivamente com 16 e 14 anos de prisão, mas algumas das suas modalidades são sancionáveis com penas máximas inferiores a oito anos de reclusão.

Outrossim, os limites para tráfico de influência, recebimento indevido de vantagens e participação económica em negócio variam entre os cinco e os sete anos de cadeia.

Outras exclusões

Também estão fora da amnistia os crimes patrimoniais, cujos danos não tenham sido reparados, bem como a extinção da responsabilidade civil e disciplinar emergente de factos amnistiados. 

À semelhança dos crimes considerados "imprescritíveis”, nos termos da Constituição e da lei, estão ainda excluídos do perdão os reincidentes e as pessoas implicadas em mais de uma infracção penal ao mesmo tempo.

Ficam igualmente de fora a falsificação de documentos e moeda, a fraude fiscal, a fraude na obtenção de crédito, a retenção de moeda, o abuso de confiança, o recebimento indevido de vantagens, a participação económica em negócio, o abuso de poder e o financiamento ao terrorismo.

Enquanto isso, todos os bens apreendidos nos processos-crimes abrangidos pelo perdão são declarados "perdidos a favor do Estado”, salvo aqueles que devam ser restituídos aos seus legítimos possuidores.

Escapam ainda da amnistia os crimes sexuais e de tráfico sexual de pessoas, bem como de promoção e auxílio à imigração ilegal, usurpação de imóvel e vandalização, destruição ou privação de bens públicos.

A proliferação de armas de destruição em massa, a incitação à desordem pública, à sublevação popular e contra a realização do Estado fazem ainda parte dos crimes excluídos.

Outros delitos não contemplados são os crimes contra a segurança do Estado, que não admitem liberdade condicional, os ambientais e mineiros, os de tráfico de pessoas, armas e munições e de estupefacientes e substâncias psicotrópicas de maior gravidade.

De acordo com o novo texto legal de sete capítulos, os autores dos crimes afastados da amnistia e que já tenham sido condenados ou indiciados em processos pendentes, por factos ocorridos no período amnistiado, beneficiam de uma redução de um quarto das suas penas de prisão.

A esse respeito, a PGR esclareceu que os benefícios da amnistia não se circunscrevem aos reclusos em prisão preventiva ou já condenados em tribunal, mas abrangem também os processos ainda em fase de investigação, que, assim, serão arquivados "para desafogar” a Polícia de investigação criminal.

Incidentes da população carcerária

De acordo com dados do Ministério do Interior, as 40 prisões existentes no país acusam uma superlotação de mais de cinco mil reclusos no total.

A superlotação das cadeias é imputada ao elevado número de detentos em prisão preventiva, que, devido à morosidade processual, atinge quase metade da população penal e, em muitos casos, fora dos prazos legais.

Os crimes contra a propriedade, incluindo o roubo, o furto, a burla e o abuso de confiança, representam a maior causa de internamentos ou o maior número de reclusões com cerca de metade do total de presos em todo o país.

Seguem-se os crimes contra a pessoa, que abarcam o homicídio, a ofensa corporal ou agressão física, a violação sexual, o rapto e a ameaça, entre outros, totalizando perto de nove mil reclusos, enquanto os restantes respondem por crimes contra a tranquilidade e ordem públicas, na classificação anterior ao actual Código do Penal.

A Cadeia de Viana, na capital do país, alberga o maior número de reclusos, com mais de quatro mil, também maioritariamente indiciados em processos ligados aos crimes contra a propriedade.

Do total de pessoas encarceradas no país, mais de 700 são estrangeiros, maioritariamente da República Democrática do Congo (RDC), aos quais se juntam cidadãos de outros países como a China, o Vietname, a Côte d’Ivoire, a Guiné Equatorial, a Guiné-Conakry, o Mali, a Namíbia, a Nigéria e São Tomé e Príncipe.

Segunda amnistia em seis anos

Com o novo perdão de 23 de Dezembro de 2023, Angola entrou na sua segunda amnistia geral em seis anos.

A primeira foi decretada em 12 de Agosto de 2016, um ano depois da celebração do 40.º aniversário da independência nacional, para os crimes puníveis com penas de prisão de até 12 anos, cometidos desde 11 de Novembro de 1975.

À semelhança da nova amnistia, a anterior também só abrangeu os crimes praticados sem violência que resultasse em morte e deixou de fora o peculato, a violação sexual, a promoção e auxílio à imigração ilegal e o tráfico de pessoas e órgãos de seres humanos, entre outros.

Em 2010, a Constituição da República de Angola (CRA) consagrou uma amnistia especial limitada aos crimes militares e contra a segurança do Estado, bem como outros com eles relacionados e os cometidos por agentes militares e de segurança e ordem interna, no âmbito do conflito político-militar terminado em 2002.

 

Fonte.Angop

 



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