O que a traz a Angola?
O Ministério da Agricultura e Pecuária do Brasil e o Ministério da Agricultura e Florestas de Angola estão a trabalhar na ampliação das parcerias. Por isso, estamos aqui para intensificar a colaboração na área de pesquisa agropecuária.
Pode nos falar um pouco sobre a Embrapa?
A Embrapa é uma empresa brasileira de pesquisa agropecuária vinculada ao Ministério da Agricultura e Pecuária. Nos últimos 51 anos, a Embrapa desempenhou um papel importantíssimo na transformação da agricultura brasileira, que passou de importadora de alimentos à grande produtora e exportadora para o mundo todo.
Como se explica essa reviravolta?
Isso se deve a três grandes pilares: investimentos em Ciência e Tecnologia, assistência técnica e políticas públicas associadas. A Embrapa, como empresa estatal, ajudou a desenvolver a Agropecuária brasileira. Actualmente, estamos a discutir com os ministérios brasileiro e angolano uma cooperação para intensificar a produção de arroz. Podemos transferir a tecnologia a Angola, para cultivar as espécies de arroz mais adaptadas que desenvolvemos.
Qual foi o grande trabalho realizado pela Embrapa nesses 51 anos?
A Embrapa adaptou tecnologias do clima temperado para os diversos tipos de clima e solos do Brasil. Temos seis biomas com realidades diferentes e trabalhamos com uma variedade de culturas e sistemas de produção. Um dos temas prioritários aqui é a expansão da produção de arroz, onde podemos colaborar e transferir tecnologia. Também temos um acordo para ajudar no desenvolvimento da agricultura irrigada, trazendo políticas públicas para a agricultura familiar, como no Vale do Cunene.
Que política pública é essa?
É o zoneamento agrícola de risco climático, que indica o que plantar, qual cultivar, onde e quando plantar, em todos os 5 mil municípios do Brasil. Isso é baseado em modelos climáticos que desenvolvemos ao longo de mais de 100 anos. Integramos esses dados para gerar modelos que ajudem a calcular o risco de cultivo. Hoje, fazemos isso para 44 culturas no Brasil, o que subsidia o crédito rural e o seguro rural, permitindo que os bancos reduzam o risco na concessão de crédito.
Em Angola, quais são as áreas que a Embrapa pensa explorar?
Estamos a focar na expansão da produção de arroz e na cooperação na área de milho e agricultura irrigada, onde o Brasil tem vasta experiência. Também estamos a considerar o zoneamento agrícola e outras políticas públicas, como o Programa da Agricultura de baixo carbono. Temos um grande programa de recuperação de áreas degradadas e estamos a avaliar quais as tecnologias que podemos trazer para Angola. O Brasil também possui experiência significativa em treinamento e capacitação, como o projecto "Caravana", que ensina o uso eficiente de fertilizantes.
Nos dias de hoje, o Brasil já utiliza muita tecnologia nos seus processos agrícolas?
Sim, já utilizamos muitas tecnologias digitais. Temos a plataforma Ecampo, que oferece mais de 140 cursos, dos quais mais de 103 são gratuitos. E Angola, pela língua, facilita-nos também a disponibilização dessa plataforma, nesta parceria com Angola.
Quando é que essas iniciativas podem começar a ser implementadas?
Algumas já estão mais avançadas. O acordo sobre arroz está a ser finalizado entre a Embrapa e a Associação Agropecuária de Arroz de Angola. Estamos, também, a progredir na agricultura irrigada no Vale do Cunene. Estes dois projectos estão em fase de curto prazo. A partir desta missão, queremos fortalecer o trabalho em áreas como Caravanas, treinamentos e intercâmbio de agrónomos e pesquisadores.
O que acha, naquilo que é a sua experiência no Brasil e do conhecimento que tem de Angola, que pode vir a ter dificuldade na implementação das tecnologias em Angola?
A infra-estrutura é um desafio. Muitas vezes, temos a tecnologia, mas sem a infra-estrutura básica, não conse- guimos avançar rapidamente. A Embrapa já tem parcerias com países africanos, como o Ghana, e há dez anos notámos que a falta de infra-estrutura dificultava a implemen- tação das tecnologias. A conectividade, energia e Internet são fundamentais. O Brasil também enfrenta desafios nesse aspecto, mas é um pilar que deve ser trabalhado em conjunto com Angola. Isso também abre oportunidades para parcerias público-privadas.
Que oportunidades vê para o crescimento do sector agrícola em Angola?
Vejo óptimas oportunidades. Temos o desafio global de alimentar 9 biliões de pessoas até 2050. O Brasil, há 51 anos, enfrentou o desafio de garantir a segurança alimentar e, ao trabalhar no cinturão tropical, identificou o potencial da produção de alimentos nessa região, que inclui Angola. No Brasil, aumentámos a produção e a produtividade em 580%, plantando na mesma área cinco vezes mais. A África Subsaariana tem um grande potencial para aumentar a produção de maneira sustentável, e o Brasil tem trabalhado na recuperação de áreas degradadas.
Qual é a estratégia da Embrapa para fortalecer os laços com Angola?
O Ministro está a assinar um termo aditivo ao Memorando de Entendimento já existente entre os dois países, que formaliza a inclusão da Embrapa nesse acordo. Isso permitirá que a Embrapa comece a trabalhar mais próximo do Instituto de Investigação Agropecuária de Angola e outras associações.
Muitos produtos produzidos em Angola também são produzidos no Brasil. Há possibilidade de Angola exportar produtos para o Brasil?
Sim, acredito que sempre devemos pensar nos países como oportunidades de ganho mútuo. O intercâmbio de conhecimentos entre pesquisadores e agrónomos pode intensificar essa cooperação e abrir novos mercados.
Que produtos de Angola poderiam ter sucesso no Brasil?
O arroz, o milho e a mandioca são produtos que podem ter boas oportunidades, já que também são cultivados no Brasil.
Para finalizarmos a nossa conversa, uma mensagem para os agricultores e profissionais do sector Agrícola em Angola?
Devo dizer aos agricultores angolanos que temos uma grande oportunidade de sermos grandes produtores de alimentos para o mundo. A produção de alimentos é uma questão de paz, pois todos precisam dela. Precisamos garantir a segurança alimentar de maneira sustentável e transparente, atendendo às exigências dos novos consumidores. Além disso, devemos enfrentar os desafios das mudanças climáticas com tecnologias adaptadas. A inclusão sócio-produtiva dos pequenos e médios produtores é fundamental, e a tecnologia digital pode ajudar a melhorar a gestão e a sustentabilidade. Precisamos intensificar a pesquisa e a Ciência para produzir com qualidade, garantindo a segurança alimentar no nosso país e no mundo.
Muito obrigado pelo seu tempo. Espero que tenha uma óptima estadia em Luanda e aproveite tudo de bom que temos a oferecer.
Parabéns pelo país. Encantada. Muito Obrigada.
Perfil
Sílvia Massruhá
Sílvia Maria Fonseca Silveira Massruhá é a primeira mulher a assumir a presidência da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) em 50 anos de história da instituiçãop. Com uma trajectória de 35 anos na instituição, Sílvia Massruhá, nos últimos 15 anos, se tem destacado na área de Gestão.
De 2009 a 2015, actuou como chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Agricultura Digital, e, de 2015 a 2022, foi directora-geral da mesma unidade. Em 2023, foi convidada pelo Presidente Luís Inácio Lula da Silva e pelo ministro de Estado da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, para assumir a presidência da Embrapa, cargo que ocupa há ano e meio.
Sílvia Massruhá possui um doutorado em Computação Aplicada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), obtido em 2003; também possui um mestrado em Automação pela Faculdade de Engenharia Eléctrica e de Computação da Unicamp (1996) e uma graduação em Análise de Sistemas pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1988).
Fonte: Jornal de Angola.