Angola reafirmou, quarta-feira, dia 3 de Julho, em Sevilha, Reino de Espanha, a necessidade urgente da criação de uma nova ordem financeira mundial, que responda, com justiça e eficácia, à crescente crise da dívida no continente africano.
A posição foi apresentada pelo representante permanente de Angola nas Nações Unidas, Francisco da Cruz, durante a intervenção numa mesa-redonda sobre “Realizar uma Arquitectura da Dívida Soberana Orientada para o Desenvolvimento”, promovida pela Conferência da ONU sobre Desenvolvimento.
Francisco da Cruz fez saber que esta posição do país está em consonância com a Declaração Ministerial de Lomé, sobre a dívida em África, adoptada em Maio deste ano.
“A sustentabilidade da dívida deve ser entendida à luz das necessidades de desenvolvimento, dos choques exógenos sofridos e da responsabilidade partilhada no sistema financeiro internacional”, defendeu o diplomata angolano, para quem a dívida soberana é um tema de vital importância para Angola, o continente africano e o Sul Global.
Num contexto de vulnerabilidades múltiplas, incluindo crises sanitárias, climáticas e geopolíticas, o representante permanente de Angola nas Nações Unidas destacou que se torna essencial construir uma arquitectura da dívida soberana justa, inclusiva, previsível e orientada para o desenvolvimento.
Francisco da Cruz disse ser com base nesta visão que Angola acolhe os quatro pilares do “Compromisso de Sevilha”, documento a ser adoptado hoje, último dia IV Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento.
Os quatro pontos acolhidos pelo país estão relacionados com a prevenção de crises através da boa gestão e transparência, o alívio do custo de financiamento, mecanismos de reestruturação mais justos e céleres e avaliações de sustentabilidade mais objectivas e orientadas para o longo prazo.
Por outro lado, o diplomata angolano falou das acções em curso, em Angola, para a redução da dívida, informando que o país tem levado a cabo, no âmbito do Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN) 2023–2027, acções viradas para a governação da dívida, através de reformas institucionais.
Essas acções, prosseguiu, envolvem a divulgação pública regular e transparente dos dados da dívida, a articulação entre a política fiscal, monetária e de investimento social, e, de forma “inovadora”, tem estado a investir na digitalização dos sistemas de gestão da dívida pública.
O embaixador de Angola na ONU disse que o objectivo é o reforço da rastreabilidade, melhorar o planeamento orçamental e alinhar a política fiscal com os princípios de responsabilidade inter-geracional.
“Tal como sublinhado em Lomé, é imperativo reformar o quadro comum do G20, tornando-o mais transparente, inclusivo e eficaz, assim como garantir a representação equitativa de África na governação financeira global”, salientou.
Para Francisco da Cruz, é, igualmente, importante que se assegure o financiamento concessional e contracíclico, para libertar o espaço fiscal ao serviço do desenvolvimento sustentável.
Nesta conformidade, destacou que Angola apoia, também, a utilização de instrumentos inovadores, como cláusulas de suspensão do pagamento da dívida em caso de choques ligados ao clima e à sustentabilidade.
“Saudamos, por isso, os deliverables acordados no ‘Compromisso de Sevilha’, incluindo o reforço da análise multilateral da sustentabilidade da dívida, a promoção de cláusulas contracíclicas e indexadas a desastres, a chamada para revisão do Quadro Comum e o compromisso com abordagens mais coordenadas e inclusivas entre todos os credores, oficiais, multilaterais e privados”, frisou.
O representante permanente de Angola junto das Nações Unidas esclareceu que estes avanços representam passos concretos para uma resposta sistémica à crise da dívida.
“Só com uma acção concertada e coerente, traduzida em medidas concretas, poderemos evitar que esta crise da dívida evolua para uma nova década perdida para África”, acentuou o diplomata angolano.
Entraves sobre os ODS
O não refinanciamento internacional e o peso da dívida dos países em desenvolvimento perfilam-se entre os principais entraves para a aceleração dos 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável.
Em 2024, por exemplo, o montante global da dívida nos países em desenvolvimento estava orçado em cerca de 31 biliões de dólares.
Esta situação está a ser apontada como um dos motivos que está a impedir esses países de acelerarem os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), tendo em conta o peso da dívida em muitos programas.
País trabalha para reduzir espaço fiscal consumido pela dívida
Angola está entre os países afectados por estes dois temas, mas o director da Unidade de Gestão da Dívida Pública, Dorivaldo Teixeira, avançou, ontem, à imprensa, que o país começou a implementar, nos últimos quatro anos, um conjunto de medidas para reduzir o espaço fiscal consumido pela dívida.
Entre as várias medidas, Dorivaldo Teixeira destacou as operações de refinanciamento da dívida, a antecipação de pagamentos da dívida com o exterior, que permite reduzir o peso da dívida no futuro. Todo o esforço em curso, disse, visa consolidar o mercado de capitais em Angola.
Essas medidas, de acordo com o director da Unidade de Gestão da Dívida Pública, estão a permitir a criação de condições para que o Estado se consiga financiar a si mesmo no mercado doméstico, assim como criar condições para que, ao financiar-se melhor e com taxas mais competitivas, consiga reduzir o acto de consumir o financiamento e este financiamento, por sua vez, seja canalizado para o sector privado.
“Se as medidas funcionarem, e a perspectiva é que elas funcionem, o que vai acontecer é que o financiamento comece a ser canalizado para o sector privado, e este ao ter acesso a recursos financeiros, terá o efeito de aumentar a receita e, a partir daí, dar mais folga fiscal para o Estado financiar iniciativas críticas do contexto social, como é, por exemplo, fomentar o financiamento de iniciativas que impactem
positivamente no bem-estar das crianças, na educação, na saúde, na vacinação e no combate à malnutrição”, precisou Dorivaldo Teixeira.