• Angola Está Aberta Aos Desafios Da Governação Participativa


    Angola tem um Governo aberto, que trabalha na promoção de espaços de participação cívica e de engajamento dos cidadãos na vida pública e na governação, afirmou, ontem, em Luanda, a secretária de Estado para a Administração do Território, na abertura da Conferência sobre Cidadania, promovida pelo Projecto de Apoio à Sociedade Civil e à Administração Local em Angola (PASCAL), financiado pela União Europeia (UE).

    Teresa Quivienguele fez saber que, por via desta abertura, existem hoje, no país, cidadãos que, junto com as instituições do Estado, participam de diversas formas nas grandes decisões.

    Na conferência, que contou com a participação da embaixadora da União Europeia em Angola, Jeannette Seppen, a governante angolana apontou, entre outros, a existência dos Conselhos de Auscultação da Comunidade, de Concertação Social e os Municipais de Vigilância Comunitária, estabelecidos por Decreto Presidencial, cujo papel os torna cada vez mais relevantes, pois permitem a participação nas políticas locais e unem as lideranças em torno dos propósitos comuns.

    Quivienguele destacou, igualmente, a participação dos membros da sociedade civil no Conselho da República, no Conselho Económico e Social, nas sessões abertas da Assembleia Nacional, em que são recolhidas as contribuições para os orçamentos anuais do Estado, as consultas públicas em curso, dentre outros espaços de diálogo e interacção entre o Executivo e a população.

    Enfatizou as figuras das autoridades tradicionais, os líderes religiosos, associativos, cooperativas e de partidos políticos, com assento parlamentar, e uniões de associações que, juntos, reflectem e decidem sobre os caminhos para o desenvolvimento das comunidades.

    Actualmente, ressaltou, que no país todos os Governos provinciais e administrações municipais têm instituído os Conselhos de Auscultação, de acordo com o estabelecido nos Estatutos Orgânicos, destacando, como bons exemplos, as províncias de Benguela, Bié, Huambo, Lunda-Sul e Namibe.

    Em Angola, existem mais de 18 mil comissões de moradores, das quais cerca de 1.200 são lideradas por mulheres. Contam-se mais de seis mil conselhos de moradores e acima de 750 utilizadores dos sistemas registados a nível local, que reúnem os moradores em torno de interesses colectivos, colaborando com as administrações municipais e alertando as ocorrências referentes ao estado de funcionamento de determinados serviços públicos.

    Ainda no domínio da participação dos cidadãos na governação, frisou que estão criados e em funcionamento 164 Comités de Gestão do Orçamento Participativo, que organizam os munícipes em torno das decisões que afectam a tomada de decisão sobre o orçamento local e sobre as prioridades das populações.

    Modernização administrativa

    Uma das características dos Governos abertos, segundo Teresa Quivienguele, é o engajamento na transformação da Administração Pública, e, neste sentido, fez saber que o Executivo angolano, por via do processo de modernização administrativa, tem feito investimentos, a fim de desburocratizar e facilitar os serviços integrados aos cidadãos, concentrando, num único espaço virtual, a prestação de diversos serviços públicos, e disponibilizando um atendimento com base na simplificação de procedimentos.

    Como exemplo, fez menção ao Portal do Munícipe, uma solução tecnológica centralizada, que concentra hoje mais de 1.500 serviços e permite o acompanhamento de todo o processo de cobranças de taxas, licenças e multas. Acrescentou que permite o acesso a documentos sobre serviços prestados aos munícipes, como atestados, licenças de obras e de publicidade, concessões de direitos mineiros, construção civil, direitos de pesca e outros, que também podem ser emitidos de forma padronizada no portal.

    Referiu que a modernização administrativa é um dos eixos fundamentais do processo da Reforma do Estado angolano, prevista no Plano de Desenvolvimento Nacional e na nova Estratégia de Longo Prazo Angola 2050, que, por via do Projecto Simplifica 2.0, está a melhorar a prestação dos serviços públicos aos cidadãos e às empresas, assim como aumentar a confiança dos cidadãos nas instituições, permitir desenhar um caminho de interoperabilidade entre os serviços da Administração Pública e a reduzir o tempo de espera das solicitações.

    Implementar medidas de simplificação administrativa do Estado é, segundo Teresa Quivienguele, um princípio fundamental da boa governação, bem como catalisador essencial da relação entre os órgãos e destes com os cidadãos e as empresas, no exercício e na promoção dos direitos de cidadania, de propriedade, de iniciativa económica e garantia da efecti- vação dos Direitos Humanos, do desenvolvimento económico, da coesão territorial e da paz social.

    Desafios

    Segundo a secretária de Estado, diante deste quadro, ainda persistem alguns desafios, como reforçar a regularidade das sessões dos Conselhos de Auscultação, os conteúdos e a participação de mais jovens e mulheres, a necessidade de se dar uma maior dinamização aos Fóruns da Recolha de Contribuição e execução dos orçamentos locais, visando uma governação local mais actuante, mais moderna e mais eficaz, trazendo e incluindo todos sem deixar ninguém para trás.

    Apontou ainda como desafio a maximização da utilização do potencial existente nos mais de 600 Balcões Únicos de Atendimento ao Público, para ampliar as soluções a nível local, a melhoria da componente da formação que precisa de ser aperfeiçoada em termos da aplicação dos conteúdos no dia-a-dia laboral dos quadros, uma vez que mais de 8.000 técnicos da administração local foram formados em diversas matérias ligadas à modernização administrativa e à simplificação de serviços públicos.

    Embaixadora da União Europeia

    A embaixadora da União Europeia em Angola, Jeannette Seppen, participou na sessão de abertura, defendendo na apresentação curta e objectiva a cidadania que deve ser entendida como um processo contínuo, uma construção colectiva rumo à realização dos Direitos Humanos e de uma sociedade justa e solidária.

    Jeannette Seppen enalteceu o projecto PASCAL, financiado pela União Europeia, que tendo em conta o contexto populacional angolano, com uma percentagem de população jovem significativamente superior às restantes faixas etárias, prevê que a acção do programa possa gerar uma juventude de mulheres e homens, meninos e meninas, capacitada e formada, para que conheça, independente do género, raça, cor, condição social, orientação sexual e idade, os direitos e as responsabilidades.

    "O PASCAL é um programa que contribui no apoio e na participação efectiva da sociedade civil nos processos de elaboração de políticas, a fim de ajudar a desenvolver uma governação democrática, justa e legítima”, referiu, acrescentando que o conceito de cidadania vai muito além, pois o termo significa, também, tomar parte da vida em sociedade e do Governo, tendo uma participação activa, no que diz respeito aos problemas da comunidade.

    Guia da cidadania

    O Guia da Cidadania é um livro de pequeno volume, apresentado, ontem, na Conferência sobre Cidadania. Trata-se de uma aposta do projecto PASCAL, criado para o contexto angolano, em que as questões de cidadania ainda merecem uma atenção profunda.

    O documento de 68 páginas, com elementos gráficos criados com as cores identitárias do projecto, tem como objectivo envolver, elucidar e informar a população angolana sobre temas relacionados com a descentralização, educação cívica, valores e participação na governação.

    Considerado amigável e de fácil manuseio, permite à população ter uma clara noção sobre o que é cidadania e qual o seu papel como cidadão, que direitos e deveres possui, e como pode exercê-los. Permite saber sobre a governação participativa e atrasos do mesmo, conhecer os locais de participação existentes a nível local, a utilidade e como usufruir.

    O director do projecto PASCAL, Paiol Lopes, informou que, olhando para o enquadramento das políticas do Governo angolano e da União Europeia, de consolidação da sociedade civil nos processos de descentralização e desenvolvimento local, a iniciativa perspectiva o aumento da participação e colaboração dos cidadãos de uma forma eficaz.

    Boas experiências

    A representante da Fundação Internacional e Ibero-Americana de Administração e Políticas Públicas (FIIAPP), Peggy Martinello, falou dos desafios que a governação participativa ainda apresenta, com grupos sub-representados, em que se deve envolver a elaboração de políticas públicas inclusivas, tendo em consideração as diferenças no acesso, participação e presença nas instituições de mulheres, jovens, pessoas com necessidades especiais.

    O especialista espanhol em Inovação Pública e Social, Raúl Oliván, falou da existência em Aragão de um laboratório que é mais uma plataforma de conversa entre os cidadãos e o Governo, com conteúdos produtivos para enfrentar desafios comuns.

    Segundo o especialista, é concebido um Governo aberto e um ecossistema de inovação social que promova projectos de participação dos cidadãos, desenho colaborativo, transparência e responsabilidade.

    Frisou que os processos de descentralização são vistos como uma oportunidade de aproximar os serviços públicos à população, o que implica uma melhoria na qualidade de vida e uma oportunidade para a participação da sociedade nos processos de tomada de decisão.

    Ao dissertar sobre o tema "Participação cidadã em Angola”, o engenheiro Carlos Figueiredo, experiente no associativismo, gestão de projectos e consultoria, frisou que nunca em Angola os cidadãos tiveram tantos espaços, canais, sejam formais ou informais, como hoje, que lhes permitam ter uma participação, o que é positivo, mas que continua a haver um défice de autenticidade e uma limitada qualidade e eficácia (no sentido de se conseguir influenciar e transformar), no uso dos muitos desses espaços e mecanismos.

    Fonte: Jornal de Angola