• Chefe de Estado aponta caminhos para uma ONU mais actuante na busca de soluções


    O estadista angolano sugeriu, terça-feira, na sede das Nações Unidas, que se faça uma análise sobre onde se falhou e que medidas devem ser tomadas para tornar a organização mais actuante e activa na busca de soluções que concorram para a prevenção de conflitos no mundo.

    João Lourenço adiantou que este exercício vai permitir o reforço da paz e da segurança mundial, do comércio e da cooperação internacional, garantindo, assim, prosperidade às nações e o bem-estar dos povos do Planeta.

    O Chefe de Estado referiu que, desde a criação das Nações Unidas, após o fim da Segunda Guerra Mundial, os povos do "nosso” Planeta almejavam uma convivência pacífica a nível global, acreditando que os episódios que pudessem pôr em risco a harmonia, a paz e a segurança universal seriam objecto de uma cuidadosa atenção e tomada de medidas preventivas no âmbito da organização, para que não se degenerassem em conflitos e guerras que fizessem reviver os momentos angustiantes vividos durante o período de 1939 a 1945.

    "Passadas quase oito décadas, a constatação objectiva que podemos fazer, na actualidade, é a de que essa perspectiva não só não foi concretizada, como parece que nos estamos a distanciar dos propósitos fundacionais das Nações Unidas”, alertou.

    Em face disso, o estadista angolano disse que se assiste, hoje, a uma tentativa de se esvaziar, ignorar ou mesmo substituir o papel e a importância das Nações Unidas na resolução das grandes questões que afligem a Humanidade, nomeadamente aquelas que têm a ver com a paz e segurança universais. João Lourenço sublinhou que, apesar desta percepção, não existe palco mais adequado do que a ONU para inverter esta realidade e assumir a urgente necessidade da reforma da instituição, tendo colocado ênfase à adequação do Conselho de Segurança face às realidades do mundo contemporâneo.

    O Chefe de Estado sublinhou que o actual formato e composição deste órgão ainda reflectem a realidade do pós-guerra em muito ultrapassada pelo tempo e desenvolvimento de outras regiões do Planeta, muitas delas de países então colonizados, que hoje são países independentes membros das Nações Unidas.

    "A reforma do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas e das instituições financeiras internacionais saídas de Bretton Woods afigura-se urgente e premente para dar voz aos países do Sul Global, nomeadamente a África, a América Latina, o Médio Oriente e o sub-continente Indiano”, realçou.

    O estadista angolano ressaltou que o imperativo do multilateralismo deve prevalecer como o único quadro verdadeiramente capaz de salvaguardar os interesses comuns a toda a Humanidade, em cujo âmbito disse que deve se reafirmar no resoluto compromisso com a diplomacia, o diálogo inclusivo e o recurso a meios pacíficos para a resolução de conflitos.

    Referiu ser dentro deste espírito que Angola está "profundamente” empenhada no processo de busca de soluções para conflitos em África, tendo, aqui, dado nota às acções do país para a busca de uma paz definitiva no Leste da República Democrática do Congo, no Sudão e na região do Sahel.

    No quadro do Processo de Luanda, o Presidente João Lourenço lembrou do cessar-fogo que o país conseguiu naquela região da RDC, que entrou em vigor no dia 4 de Agosto do corrente ano.

    Para que se consolidem os ganhos obtidos, o Chefe de Estado disse ter sido colocada sobre a mesa uma proposta de um acordo de paz formulada por Angola, envolvendo a RDC e o Rwanda. Informou que os termos do mesmo vêm sendo discutidos pelas partes a nível ministerial, com a perspectiva de que venham a alcançar entre si um entendimento que justifique a realização de uma cimeira para selar a assinatura do acordo de paz definitivo e o restabelecimento das relações entre os dois países.

    A par deste conflito, o Presidente da República disse constituir, igualmente, preocupação a situação prevalecente no Sudão, onde se desenrola uma guerra violenta com consequências humanitárias de proporções dramáticas. Sobre este conflito, João Lourenço lamentou a apatia da comunidade internacional, que, como referiu, deve procurar convergir os seus esforços e agir em coordenação com a União Africana, no sentido de se promover e alcançar a paz duradoura.

    "Estamos a colocar em benefício da paz em África a experiência adquirida por Angola, com a resolução do seu conflito interno que, após várias décadas, ficou resolvido de forma definitiva por via de um diálogo inclusivo entre as partes beligerantes”, salientou.

    João Lourenço ressaltou que esta experiência permitiu ao país aprender que não há paz sem diálogo e não há paz sem concessões de parte a parte. "Este é um caminho que não pode ser negligenciado no contexto de todos os esforços a desenvolver, para se resolverem as graves crises de segurança que o mundo enfrenta actualmente”, indicou.

    Ao referir-se ao conflito entre a Rússia e a Ucrânia, o estadista angolano destacou que a solução para o mesmo passa pela via negociada, assente na observância dos princípios das Nações Unidas, que salvaguardam a soberania dos Estados, a indivisibilidade e a integridade territorial dos países.

    Carta das Nações Unidas

    O Chefe de Estado disse que a inobservância dos princípios da Carta das Nações Unidas está na base de grande parte dos problemas e tensões que proliferam um pouco por toda a parte do mundo, onde, tal como referiu, os interesses e ambições geopolíticas particulares, contrários aos valores defendidos pela comunidade internacional, afectam muitas vezes a segurança e a estabilidade de regiões inteiras do Planeta. No âmbito do conflito no Médio Oriente, João Lourenço condenou a morte e rapto de civis israelitas a 7 de Outubro do ano passado. Para o estadista angolano, apesar de Israel ter o direito de proteger o seu território, tudo deveria fazer para evitar o que chamou de ‘genocídio’ a que o mundo assiste em directo na Faixa de Gaza e os ataques dos colonos e expansão dos colonatos na Cisjordânia.

    Lembrou que, neste conflito, as principais vítimas são seres humanos indefesos e vulneráveis, nomeadamente crianças, mulheres, velhos e doentes. "Não se pode continuar a permitir que em apenas 11 meses, num pequeno território sem escapatória, sejam mortas perto de 43 mil pessoas e que os seus autores não sejam responsabilizados pela comunidade internacional”, realçou.

    O estadista angolano defendeu que a comunidade internacional não pode ficar indiferente a esta situação que ameaça a existência do povo palestiniano, que tem o mesmo direito a viver em paz e segurança no território de seus ancestrais, tanto como o povo judeu tem.

    João Lourenço disse constituir preocupação a escalada deste conflito para outros países, dada a ameaça que representa para a paz e segurança em todo o Médio Oriente, com a possibilidade do envolvimento directo das grandes potências mundiais e, com isso, a internacionalização do conflito, com todas as consequências possíveis à escala global. "Estamos perante um facto que coloca, mais uma vez em destaque, o papel das Nações Unidas, as suas decisões e resoluções que, se forem estrita e rigorosamente observadas, resolvem o impasse à volta da criação do Estado da Palestina, única via capaz de pôr um fim definitivo ao problema que o Médio Oriente enfrenta há décadas”,apontou.

    João Lourenço voltou a apelar à necessidade de se pôr fim ao embargo contra Cuba e às sanções contra o Zimbabwe, actual presidente em exercício da SADC, por "serem injustas e desumanas, por aumentarem o sofrimento de seus povos e entravarem sobremaneira o desenvolvimento económico e social daqueles países”.

    O desejo do continente africano, disse o Chefe de Estado angolano, parte da construção de uma nova arquitectura financeira internacional, em cujo âmbito se impõe uma colaboração mais estreita entre os Estados, com vista a um combate efectivo ao fluxo ilícito de capitais e à recuperação dos activos, que considerou ser, muitas vezes, incompreensivelmente dificultada pelos países que detêm os fundos sob seu controlo. Sobre este tema, destacou que os recursos que advêm da recuperação de activos têm um efeito directo sobre a implementação dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável e, por conseguinte, sobre a melhoria das condições gerais de vida das populações.

    Neste quadro, informou que Angola tem tido importantes progressos na luta contra a corrupção, com casos concretos de cidadãos julgados e condenados que viram esses bens recuperados a favor do Estado, por força das sentenças ditadas em tribunal e confirmadas pelo "competente” Tribunal de Apelação.

    Exemplificou dois casos de sucesso, em que o país contou com a "atitude bastante responsável e de respeito à nossa soberania” por parte das autoridades do Reino Unido, que devolveram a Angola 2,5 mil milhões de dólares americanos que estavam num Banco em Londres, "sendo justo reconhecê-lo publicamente a partir desta tribuna mundial”.

    Entretanto, o Chefe de Estado lamentou o facto de nem todos os países que aceitaram receber esses activos da corrupção, sem questionar na altura as origens dos mesmos, estarem a agir da mesma maneira.

    "Alguns desses países se arrogam mesmo ao direito de questionar a credibilidade dos nossos tribunais, quase que querendo rever as sentenças emitidas pelos mesmos, como se de órgãos de apelação extra-territoriais se tratassem”, denunciou o Chefe de Estado.

    Não obstante este quadro, o Presidente da República fez saber que o país vai continuar a lutar, com todas as forças, para a recuperação dos activos desviados do erário e que muita falta fazem para a construção de infra-estruturais escolares, hospitalares, de energia e água, rodoviárias, entre outras.