• Laurinda Cardoso: “Desafios actuais na construção de um Estado de Direito exigem perspectiva humanista renovada”


    A presidente do Tribunal Constitucional, Laurinda Cardoso, disse terça-feira, em Luanda, na abertura do XI Congresso Internacional de Direito na Lusofonia, que os desafios vigentes na construção de um Estado democrático exigem uma perspectiva humanista renovada.

    A magistrada, que se dirigia a centenas de participantes vindos dos diferentes países da lusofonia, acentuou que num tempo em que as tecnologias como a Inteligência Artificial prometem transformar a justiça, corre-se o risco de se perder o essencial, “a dimensão humana do julgamento”.

    Por isso, sublinhou que a eficiência não se pode sobrepor à capacidade de reconhecer, em cada processo, histórias humanas com todas as suas complexidades e vulnerabilidades.

    Laurinda Cardoso disse que o espaço lusófono, espalhado por quatro continentes, representa um extraordinário laboratório de experiências jurídicas e constitucionais, e Angola, que celebra meio século de Independência, construiu um património comum que lhe permite afirmar, num mundo polarizado, o valor do diálogo intercultural como ferramenta para sociedades mais justas.

    Ao referir sobre as razões da realização do evento em Angola, uma delas no âmbito das comemorações dos 50 anos da Independência Nacional, apontou esta como o marco do nascimento do constitucionalismo angolano, que, por sua vez, foi determinante para a génese da matriz de um verdadeiro Estado de Direito em Angola.

    A presidente do Tribunal Constitucional disse que em Angola a instituição sob sua tutela assume um papel de extrema relevância na construção e consolidação do Estado Democrático de Direito, na defesa da Lei Constitucional e na preservação da integridade da ordem jurídica.

    Justiça exige permanente diálogo em várias dimensões
    No evento, que decorre na sequência das principais conclusões saídas do X Congresso de 2024, em Braga, Portugal, Laurinda Cardoso sublinhou que a justiça, enquanto fundamento do Estado de Direito, não se esgota na aplicação técnica da norma, nem mesmo das normas constitucionais.

    Para densificar substantivamente as normas, segundo a presidente do TC, a justiça exige permanente diálogo com a realidade social, política e cultural dos respectivos povos.

    Por isso, acrescentou que o Congresso, que decorre até sexta-feira, propõe uma abordagem multidisciplinar, crítica e científico-académica, da qual se perspectiva um iluminar dos caminhos e uma melhor compreensão dos mecanismos de materialização da justiça numa visão holística da “jurisdicidade” como um elemento axiológico indispensável para a construção e consolidação, cada vez mais necessária, do Estado de Direito.

    “Num mundo cada vez mais dividido, assolado por desigualdades, conflitos, guerras e crises de vária ordem, a discussão das temáticas ligadas à Justiça e ao Direito afigura-se indispensável e um elemento importante para o desenhar de soluções para estes problemas que nos afligem, quer individualmente, quer como colectividade”. realçou.

    Laurinda Cardoso frisou, também, neste âmbito, sobre o papel da academia, que é, igualmente, o de transformar problemas sociais em projectos de análise científica, cuja busca por resultados não descura a definição e a adequação das conclusões, as exigências intrínsecas à existência justa e digna do ser humano e da sustentabilidade e progresso das suas sociedades.

    O XI Congresso Internacional de Direito na Lusofonia é co-organizado pelo Tribunal Constitucional, a Procuradoria-Geral da República, as Faculdades de Direito da Universidade Agostinho Neto e da Universidade Católica e a Rede de Investigação em Direito Lusófono (REDIL), e conta com a participação de representantes de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste, Macau, Portugal, Espanha e Índia.

    Uma rede de investigação científica

    O coordenador da Rede de Investigação em Direito Lusófono (REDIL), uma das entidades que organiza o evento, Mário Monte, destacou que os objectivos do Congresso são o de estudar e reflectir sobre questões relacionadas com a concepção e o funcionamento da justiça enquanto tarefa fundamental na promoção e construção do Estado de Direito nos países e regiões de língua portuguesa, tanto numa perspectiva científica normativa, quanto jurisprudencial, como também social, política e cultural, com as suas diversas implicações práticas.

    “O tema do Congresso sobre a Justiça na Construção do Estado de Direito no Século XXI não foi escolhido por acaso.

    O tema da justiça é sempre muito importante em qualquer país”, referiu, acrescentando que o mais importante é, sobretudo, ainda quando se tem consciência de que a justiça é uma tarefa fundamental de um Estado Democrático de Direito.

    Intervieram, ainda, na abertura do evento, os reitores das Universidades Agostinho Neto (UAN), Pedro Magalhães, e da Católica de Angola (UCAN), Maria da Assunção, o procurador-geral adjunto da República, Manuel Bambi, e o governador da província de Luanda, Luís Nunes, que deu as boas-vindas aos presentes.

    Segundo Mário Monte, a REDIL é uma plataforma de aproximação de investigadores de diferentes países e regiões de língua portuguesa, criada em 2019, em torno de temas de direito lusófono, sem prejuízo de áreas tangentes das ciências sociais e humanas, envolvendo instituições de reconhecido valor internacional, nomeadamente por via dos respectivos centros de investigação.

    Fortalecimento do poder judicial

    O professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto Raul Araújo sublinhou que o fortalecimento da justiça exige a cooperação entre os diferentes poderes do Estado e da sociedade civil, garantindo deste a legitimação pública da sua actividade.

    Ao dissertar no XI Congresso Internacional de Direito da Lusofonia sobre “A Justiça como garante da consolidação do Estado-Nação e da transição democrática em Angola”, o académico realçou o papel essencial da Justiça no Estado Democrático de Direito em Angola, enquanto país em formação, e num processo de transição para a democracia.

    O prelector apontou a justiça como um dos pilares de um Estado Democrático de Direito, assim como o seu papel na promoção da confiança nas instituições públicas.

    “A Justiça tem o papel de guardião do Estado de Direito, uma vez que assegura o respeito pela Constituição e da supremacia da Lei”.

    O professor da Faculdade de Direito Carlos Feijó reconheceu a construção de uma jurisdição administrativa funcional moderna e acessível, uma das tarefas em reconstrução em várias geografias da lusofonia.

    Ao dissertar o tema “Organização jurisdicional, jurisdição materialmente administrativa e Estado de Direito nos países lusófonos” disse ser possível, sem negar a diversidade, construir diálogos jurídicos eficazes, para melhorar as instituições, formar magistrados e promover o reconhecimento recíproco de boas práticas entre os países da comunidade.

    Fonte: Jornal de Angola.